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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

chuva, vento e fantasia...


O guarda-chuva voou para longe. Ela correu para abrigar-se. Por que essa chuva agora, quando só existia o velho celeiro como refúgio? O frio fazia-lhe tiritar, o vento assobiava forte, impassível, açoitava-lhe as pernas, fustigava-lhe as forças. Não tardaria a anoitecer e a tempestade a obrigaria a passar a noite ali.
O aspecto do celeiro não podia ser pior. Mesmo por suas histórias de fantasmas e ainda cercado de capim alto, cheirando a madeira podre (e coberta de orelhas-de-pau), muita sujeira e abandono... Algumas trepadeiras aqui e ali subiam pelas paredes de pedra e seguravam as janelas e portas, em outros pontos formavam uma sebe de flores lilases interligando bancos e tornos onde um dia foi um pátio. Entremeios, a ferrugem corroia arados expostos às eras...
Ela empurrou com força a um dos lados da enorme porta, a mais perto do riacho e do moinho do celeiro, a mais encoberta pelo mato alto. Sentiu a madeira estalar e tremer. As velhas paredes de pedra resistiriam a tempestade, quanto à madeira, não havia certezas. Diziam ter sido muito bonito ali. E movimentado também. Afinal todos precisavam da moenda e não havia outro lugar em mais de 10 léguas em qualquer direção. Há mais de seis décadas isso. Poucos os que lembravam. Isso antes dos homens das fabricas surgirem e comprarem todos os grãos.
O ar era fétido, pesado. Mas a lufada de vento que entrou com ela – e com a tempestade- trouxe dos campos o frescor das ervas contentes pela chuva e o cheiro de terra molhada. As paredes pareceram suspirar ante o inusitado presente. Parada, as mãos estendidas a um lado da porta, a menina pensava se valia entrar. Seus olhos divisavam na escuridão sombras de carroças, restos de barris velhos e algo que um dia poderia ter sido feno (um velho e seu cavalo viveram ali até o verão passado, quando a família do ancião surgido do nada apareceu na vila em busca de seu patriarca que desaparecera...).
Celeiro, celeiro... Nome estranho. Conhecia da escola sua origem latina, mas o nome lembrava-lhe vagamente algo nórdico. Homens e mulheres armazenando comida para fugir das mãos gélidas do inverno (que ela sempre imaginou como uma mulher, pois só as mulheres são capazes de tantas fúrias e impiedades verdadeiras). E agora, ele abria-lhe as portas, acolhendo-a, abraçando-a. Era só uma noite. Não iria temer.

sábado, junho 17, 2006

Sobre camundongos e febre

-Hum...Hum...acho melhor a senhorita abandonar esse insensato repúdio aos medicamentos e tomar algo mais que um banho gelado para aplacar a febre....Uma farmacêutica, Marta...hum...onde já se viu?
Abri os olhos: dois camundongos, um branco e um cinza, sentados em meu travesseiro. Ambos de jaleco, estetoscópio e maletas pretas como as usadas pela minha irmã em seus tempos de Hospital Universitário. Um deles, o branco, tinha um laço rosa-bebê entre as orelhinhas. O outro aparentando ter muita idade, usava uma bengalinha com castor de prata e examina uma haste metálica como quem examinaria um termômetro e resmunga de si para si...
-Hum...40 graus! Não é de admirar essa sua cara de quem está vendo coisas de outro planeta..febre alta...
Sua voz era de quem brigava com uma criancinha. Fechei rapidamente os olhos – quando eu os abrisse aquilo já teria ido embora.
-Francamente, Dr. Arthur, o senhor a está assustando!
-Ora, Marta! Ela precisa aprender a cuidar-se mais!
Por alguns instantes, reinou um silêncio sepulcral. Abri devagar os olhos. Eles já deviam ter ido, seja lá o que fossem. O camundongo de bengala agora escrevia algo em uma folha de A4 - maior que ele várias vezes - e retirava da maleta um frasco de vidro transparente, com inúmeros minúsculos comprimidos lilases.
-hum..hum... Para a febre... ( e empurrou vários deles na minha boca).
Novamente, ele colocou as patinhas na maleta e entregou-me outro frasco, dessa vez com uma quantidade bem menor de comprimidos e estes eram verdes como capim novo.
-hum...hum...esses aqui são para regularizar seu sono.
-eu não quero dormir mais! Tenho tanto a fazer...
-Céus! Ela não passa de uma criança chorona!
-Dr. Arthur!
-Marta, ela precisa escutar isso de vez em quando...Creio até que devêssemos falar com o pai dela..hum...mas ele ainda está em viagem,não é?
O camundongo de laço rosa-bebê assentiu com a cabeça.
-Ah, menina, tivemos o cuidado aquele tubo de ensaio que estava em seu banheiro.
-O removedor de espadrapo? Por quê?
-Ora, por que... A senhorita o inalou ontem - Marta parecia indignada ao comigo.
-Mas foi por causa do meu nariz!Eu não conseguia respirar e os descongestionantes nasais costumam causar-me todas as reações adversas da bula! E eram apenas solventes orgânicos, são mucolíticos!
-Eu sei... Hum...eu sei...mas não queremos correr riscos.Agora vá até a farmácia aviar essa receita.E tome corretamente ,senhorita!Oh,Céus,por que me sinto ensinando padre a rezar missa....
Ele erguia as patinhas como que para alguém lá em cima, como se essa situação toda o desesperasse comicamente.Eles saltaram da cama e encaminharam-se para a porta, que se abriu mal aproximaram-se dela.
-Ah - disse Marta voltando-se, nosso xerife Élson perdeu sua estrela, de forma que consideramos uma daquelas estrelas de prata que estão na pia do banheiro um excelente pagamento pela nossa consulta. E,olhe, ela já vem até com abotoaduras! Ele adorará o presente.
- Hum... hum...Melhoras, senhorita! Qualquer coisa, nosso telefone está na parte detrás da receita.
-Deus! Disse ao tentar levantar-me.O quarto rodava.Coloco um jeans e uma blusa com capuz,procuro a chave do carro...Duas horas da manhã.Onde é a farmácia 24 hs mais próxima?Ah, já sei...Conheço o farmacêutico e alguns plantonistas de lá. Mas é tão longe... Fechei os olhos novamente. Estou louca... Não, não estou. Apenas sonhei com tudo isso...Olho a “receita”...É apenas um antibiótico injetável. Não custa nada tomar.
Vou até a farmácia. Ruas vazias, vento frio... Fui bem devagar, estava tonta demais para passar de 40km/h.Acho que o cachorro acenou para mim...
Estacionei de qualquer jeito, sai descalça do carro, andando bem depressa. Todos parecem ter visto um fantasma, mas logo me fizeram sentar em uma poltrona confortável, me deram chá quente (eu tremia de frio) e depois só lembro do meu bumbum sendo espetado com uma cruel agulha.
Voltei para casa bem melhor. Já conseguia seguir mais rápido e uma vez em casa, atirei-me na cama e devo ter desmaiado de tão rápido que apaguei.
Acordei ainda escuro, sem febre... Relembrava o sonho estranho com os camundongos ainda deitada quando senti algo estranho entre os lençóis... Era um minúsculo comprimido lilás!!!!Corri até o banheiro: meu removedor de esparadrapo já era e faltava um dos meus brincos de estrela!!!
Estou imaginando coisas... Tomei um longo banho, demorado o bastante para esquecer de todas essas coisas.Meu Deus! Será que estou enlouquecendo? Saí do banho,pensando em um café bem forte e quente.A água esquenta,eu pensando o quanto detesto café solúvel mas preciso acordar.
-Ei, ei!
Olhei para baixo, uma lagartixa verde, vestida com colete e suspensórios estende uma caneca azul em minha direção.
-Você poderia colocar um pouco de água quente,por favor?é que já estou atrasado para o trabalho...

segunda-feira, março 13, 2006

Beijos e Absinto

Sinto a verde seiva inundar-me as entranhas.Uma, duas, três,quatro vezes.Minha alma também está amarga, sinto o gosto da losna e os males da minha falta de costume.Meu corpo inteiro é calor e torpor.Estou pronta para o sonho feérico.Pulsante, esplendoroso, febril...A Terra pára.Por alguns instantes sou eu quem gira. Aos poucos os vapores tornam-se menos densos.Meus sentidos acordam, mas o som do blues parece vir de outra dimensão.Um sussuro em francês me chega ao ouvidos.Não entendo o que diz, mas ele sorri e se aproxima mais...Um Sidhe!Parecia nunca ter saído ao sol e era alto e esguio.Seus olhos negros eram fogo enquanto sorria.E perguntou meu nome...Um papo legal, inteligente do jeito que gosto, sobre coisas que gosto.Não sei se foi a noite inteira ou apenas um segundo.Sei que depois seus lábios eram macios, a língua quente, ávida, doce...Seus carinhos ternos mas com o sabor de seus olhos...Oh, céus! Estávamos descendo as escadas para "tomar ar" na rua estreladaa e eu nem sabia seu nome!E me arrependi por perguntar.Meu Sidhe tinha um nome adorado, desejado mesmo enquanto durmo.Por que esse nome?justo esse nome?!Quis imaginar como seria,mesmo sabendo que meu adorado ser onírico nunca estaria ali, todo de preto numa rua do Reviver, com um desejável sorriso de demônio nos lábios...Eu tinha que esquecer!Então, embriaguei-me mais uma vez em seus beijos de Sidhe e esperei minha consciência dizer que horas eu deveria ir embora...



Desdemona Shade