"Era uma vez um menino em buscas de padrões.
Os anéis dos cabelos da menina do ônibus, a trilha zigzageante das formigas, as poças d'água na calçada lisa, a forma das nuvens, as alterações de humor da responsável pela repartição, os tons de bom-dia das pessoas. Nada escapava à sua análise. E seguia assim: aflito por não encontrar o que buscava, por vezes esquecido da verdadeira busca - e o importa, se olhar as razões implícitas no teto do velho prédio do trabalho é mais prazeroso que descobrir os porquês do seu universo?Havia as nervuras das folhas, o sentido do crescimento da barba do seu vizinho, os azulejos portugueses daquela fachada, as coisas no caminho de todos os dias para casa...
O menino ia e vinha, sabendo que buscava padrões para não lembrar algo maior que deveria saber.
E tinha medo. Alguns dias nem se olhava no espelho de tanto medo, de tanta incompreensão. Suas tentações- todas tão íntimas- remotavam há um tempo que se perdeu na memória das manhãs escuras, ficando apenas as sombras com que elas lhe marcaram. Era melhor então buscar distrair-se em catalogar coisas, deixá-las guardadinhas no inventário que já fizera, onde sempre observava e nunca estava pronto a (re)classificações – apesar das novas informações. E estático, preso a um passado onde ninguém de lá poderia sair e nada poderia mudar, machucava meio-mundo por problemas que nem eram mais problemas... Há muito tempo deixaram de ser.
Seu medo costumava acenar quando o menino achava o padrão de algo particularmente difícil ou quando não queria assumir ser bom como realmente era - sem a falsa modéstia dos que ousam pouco, pois o menino era realmente bom em inúmeros tons, o que faltava era coragem para mostrar-se e nem sei por que não se via como era: belo, pensante e talentoso.
Mas era um conto de fadas e, um dia, choveu. A água fria do céu plúmbeo lavou a dor, ele olhou para dentro e não viu névoa. Nada era cinza e o azul brilhante dos dias de verão estava bem ali, esperando um toque, esperando sua mão... O menino pôde então acreditar quando lhe juravam amor ou admiravam-lhe a voz e riu de si mesmo sem piedade sabendo então o que sempre soube: que não precisava levar-se tanto a sério e ninguém lhe julgava as ações e que ninguém tem um monstro dentro de si, apenas um animal não-domado."
Os anéis dos cabelos da menina do ônibus, a trilha zigzageante das formigas, as poças d'água na calçada lisa, a forma das nuvens, as alterações de humor da responsável pela repartição, os tons de bom-dia das pessoas. Nada escapava à sua análise. E seguia assim: aflito por não encontrar o que buscava, por vezes esquecido da verdadeira busca - e o importa, se olhar as razões implícitas no teto do velho prédio do trabalho é mais prazeroso que descobrir os porquês do seu universo?Havia as nervuras das folhas, o sentido do crescimento da barba do seu vizinho, os azulejos portugueses daquela fachada, as coisas no caminho de todos os dias para casa...
O menino ia e vinha, sabendo que buscava padrões para não lembrar algo maior que deveria saber.
E tinha medo. Alguns dias nem se olhava no espelho de tanto medo, de tanta incompreensão. Suas tentações- todas tão íntimas- remotavam há um tempo que se perdeu na memória das manhãs escuras, ficando apenas as sombras com que elas lhe marcaram. Era melhor então buscar distrair-se em catalogar coisas, deixá-las guardadinhas no inventário que já fizera, onde sempre observava e nunca estava pronto a (re)classificações – apesar das novas informações. E estático, preso a um passado onde ninguém de lá poderia sair e nada poderia mudar, machucava meio-mundo por problemas que nem eram mais problemas... Há muito tempo deixaram de ser.
Seu medo costumava acenar quando o menino achava o padrão de algo particularmente difícil ou quando não queria assumir ser bom como realmente era - sem a falsa modéstia dos que ousam pouco, pois o menino era realmente bom em inúmeros tons, o que faltava era coragem para mostrar-se e nem sei por que não se via como era: belo, pensante e talentoso.
Mas era um conto de fadas e, um dia, choveu. A água fria do céu plúmbeo lavou a dor, ele olhou para dentro e não viu névoa. Nada era cinza e o azul brilhante dos dias de verão estava bem ali, esperando um toque, esperando sua mão... O menino pôde então acreditar quando lhe juravam amor ou admiravam-lhe a voz e riu de si mesmo sem piedade sabendo então o que sempre soube: que não precisava levar-se tanto a sério e ninguém lhe julgava as ações e que ninguém tem um monstro dentro de si, apenas um animal não-domado."
Para Pedro Paulo.
Ficou guardada por dois meses, mas finalmente está aqui. É sua.