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em inconstante definição.

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Para um dia sem sol II

Lições vazias (para a chuva que não caiu lavar– promessas, sempre promessas, tanta nuvem, tanto cinza):
Os desejos falhos, os sonhos errados. Aquela caminhada para pensar em que acabei distraindo-me com a rua. Palavras e areia lançadas ao vento – minhas e tuas. As mentiras para ninar meus pais. O choque, o fardo, a dor. Meu frio. As escolhas sem culpa. O que houve de ruim – e tem mais memória que aquele algo bom. A verdade que doía demais e foi dita. Os medos que passaram e abandonaram-me seca. A dor alheia. O irreal, o transitório. Idéias alheias a meu respeito. Minhas idéias sobre o que não me diz respeito. Essas impossibilidades. Essa ausência de credo.

Das chuvas e das paixões
I
Das chuvas e das paixões
te guarda
até conheceres o fim
Umas vêm para fecundar
outras, vêm para destruir
 II
Cai uma tempestade
e diz-se chuva
Mas um sereno
é chuva também
E se não pode julgar mais chuva
esta ou aquela em que há mais violência
ou ternura
Tampouco mais ou menos tempo
até o seu fim

Mesmo porque,
quando é o fim duma chuva
se existe muito mais fim em quem a observa
do que nela própria?

Não me espantaria o contrário
mas, creio que elas não pensam
também não sentem
Apenas carregam em si
esse momento
Os homens, porém,
se nove destes se abrigam
a espera do fim duma chuva
cada um se vai num instante
porque cada um percebe esse fim
em si - e em seu próprio tempo

O que leva a crer
que uma chuva passa
no instante em que ela passa, simplesmente
mas essa chuva somente passa, para quem a sente,
quando se entende que ela já passou.

 III
E basta que a chuva venha três vezes do norte
Que há quem se espante quando ela vem pelo sul
Como se mais forte fosse de onde a chuva vem
Que a fertilidade que ela traz aos campos

Eduardo Gaspar
 (com gosto de Alberto Caeiro)

Para um dia sem sol I


Não são trocas. Não foram trocas. Nunca é questão disso. Esqueça. Viva o tempo em que acorda a vontade de resolver as coisas, coisas que já se sabia antes! Coisas que não fazem mais sentido. Não do jeito que faziam antes. Não de jeito algum. Dias e dias. Daí, de repente, me dou conta do que acontece. É como se eu estivesse congelada ali e não é isso quero: parar e ser igual. Um medo assolador do que persiste, das eternidades e rotinas, da estase de viver o mesmo dia, o mesmo (des)gosto, os mesmos dentes, o mesmo sonho, a mesma luz ao fim do túnel, o mesmo pesadelo. Medo do mesmo. Por vezes cruel, sempre avisei. É brincadeira? Devo acreditar? Posso crer em sentimentos tão elevados a ponto de fingir que valerá mesmo assim ou não ter receio do que possa acontecer? Nunca é, não é nada disso. E a manhã chega e o sol cega, mesmo que a verdade se mostre muito bem no escuro. Pensando bem, é a lua. Preciso sempre olhar o céu para ver exatamente onde está, suas horas e guias. Se observo com atenção, posso prever tudo isso. Porém de que valerá toda essa anunciação se irei perder-me todas as noites, esperar, enlevada, tendo como norte apenas seu signo mas não seu significado? Se a escolha foi andar desatento, não maldiga o buraco em que caiu.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Pois é... acho que vou sentir falta de 2008...

Receita de Ano Novo 

"Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo 
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre."


Carlos Drummond de Andrade ( o meu preferido) -Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.

terça-feira, dezembro 16, 2008

realidade II


Essa noite, vi um rapaz mexendo no cadeado do meu portão e perdi o sono. Mas não foi só isso..

Seria mesmo o caos se pudéssemos simplesmente dizer do que sentimos e entendemos –ou não?


realidade

"— Solfieri, não é um conto isso tudo?

— Pelo inferno que não! (...)  — pela perdição que não! Desde que eu próprio calquei aquela mulher com meus pés na sua cova de terra — eu vô-lo juro — guardei-lhe como amuleto a coroa de defunta. — Ei-la!

Abriu a camisa, e viram-lhe ao pescoço uma grinalda de flores mirradas.

— Vede-a murcha e seca como o crânio dela!"


(Noite na Taverna)

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Eu parto que nem ar, sacudo os cabelos brancos ao sol que está indo embora,
derramo minha carne em remoinhos e a deixo flutuando em pontas rendilhadas.
Eu me planto no chão para crescer com a relva que eu amo,
se de novo me quiserdes buscai-me embaixo das solas dos vossos sapatos.
Dificilmente sabereis quem sou ou o que significo, mas,
apesar de tudo para vós serei boa saúde purificando e dando fibra ao vosso sangue.
Deixando de encontrar-me ao primeiro momento, conservai a coragem:
perdendo-me em algum lugar, ide procurar-me em outro;
em algum ponto eu hei de estar parado a esperar por vós.

Walt Whitman
Obrigada pelo presente!