-Hum...Hum...acho melhor a senhorita abandonar esse insensato repúdio aos medicamentos e tomar algo mais que um banho gelado para aplacar a febre....Uma farmacêutica, Marta...hum...onde já se viu?
Abri os olhos: dois camundongos, um branco e um cinza, sentados em meu travesseiro. Ambos de jaleco, estetoscópio e maletas pretas como as usadas pela minha irmã em seus tempos de Hospital Universitário. Um deles, o branco, tinha um laço rosa-bebê entre as orelhinhas. O outro aparentando ter muita idade, usava uma bengalinha com castor de prata e examina uma haste metálica como quem examinaria um termômetro e resmunga de si para si...
-Hum...40 graus! Não é de admirar essa sua cara de quem está vendo coisas de outro planeta..febre alta...
Sua voz era de quem brigava com uma criancinha. Fechei rapidamente os olhos – quando eu os abrisse aquilo já teria ido embora.
-Francamente, Dr. Arthur, o senhor a está assustando!
-Ora, Marta! Ela precisa aprender a cuidar-se mais!
Por alguns instantes, reinou um silêncio sepulcral. Abri devagar os olhos. Eles já deviam ter ido, seja lá o que fossem. O camundongo de bengala agora escrevia algo em uma folha de A4 - maior que ele várias vezes - e retirava da maleta um frasco de vidro transparente, com inúmeros minúsculos comprimidos lilases.
-hum..hum... Para a febre... ( e empurrou vários deles na minha boca).
Novamente, ele colocou as patinhas na maleta e entregou-me outro frasco, dessa vez com uma quantidade bem menor de comprimidos e estes eram verdes como capim novo.
-hum...hum...esses aqui são para regularizar seu sono.
-eu não quero dormir mais! Tenho tanto a fazer...
-Céus! Ela não passa de uma criança chorona!
-Dr. Arthur!
-Marta, ela precisa escutar isso de vez em quando...Creio até que devêssemos falar com o pai dela..hum...mas ele ainda está em viagem,não é?
O camundongo de laço rosa-bebê assentiu com a cabeça.
-Ah, menina, tivemos o cuidado aquele tubo de ensaio que estava em seu banheiro.
-O removedor de espadrapo? Por quê?
-Ora, por que... A senhorita o inalou ontem - Marta parecia indignada ao comigo.
-Mas foi por causa do meu nariz!Eu não conseguia respirar e os descongestionantes nasais costumam causar-me todas as reações adversas da bula! E eram apenas solventes orgânicos, são mucolíticos!
-Eu sei... Hum...eu sei...mas não queremos correr riscos.Agora vá até a farmácia aviar essa receita.E tome corretamente ,senhorita!Oh,Céus,por que me sinto ensinando padre a rezar missa....
Ele erguia as patinhas como que para alguém lá em cima, como se essa situação toda o desesperasse comicamente.Eles saltaram da cama e encaminharam-se para a porta, que se abriu mal aproximaram-se dela.
-Ah - disse Marta voltando-se, nosso xerife Élson perdeu sua estrela, de forma que consideramos uma daquelas estrelas de prata que estão na pia do banheiro um excelente pagamento pela nossa consulta. E,olhe, ela já vem até com abotoaduras! Ele adorará o presente.
- Hum... hum...Melhoras, senhorita! Qualquer coisa, nosso telefone está na parte detrás da receita.
-Deus! Disse ao tentar levantar-me.O quarto rodava.Coloco um jeans e uma blusa com capuz,procuro a chave do carro...Duas horas da manhã.Onde é a farmácia 24 hs mais próxima?Ah, já sei...Conheço o farmacêutico e alguns plantonistas de lá. Mas é tão longe... Fechei os olhos novamente. Estou louca... Não, não estou. Apenas sonhei com tudo isso...Olho a “receita”...É apenas um antibiótico injetável. Não custa nada tomar.
Vou até a farmácia. Ruas vazias, vento frio... Fui bem devagar, estava tonta demais para passar de 40km/h.Acho que o cachorro acenou para mim...
Estacionei de qualquer jeito, sai descalça do carro, andando bem depressa. Todos parecem ter visto um fantasma, mas logo me fizeram sentar em uma poltrona confortável, me deram chá quente (eu tremia de frio) e depois só lembro do meu bumbum sendo espetado com uma cruel agulha.
Voltei para casa bem melhor. Já conseguia seguir mais rápido e uma vez em casa, atirei-me na cama e devo ter desmaiado de tão rápido que apaguei.
Acordei ainda escuro, sem febre... Relembrava o sonho estranho com os camundongos ainda deitada quando senti algo estranho entre os lençóis... Era um minúsculo comprimido lilás!!!!Corri até o banheiro: meu removedor de esparadrapo já era e faltava um dos meus brincos de estrela!!!
Estou imaginando coisas... Tomei um longo banho, demorado o bastante para esquecer de todas essas coisas.Meu Deus! Será que estou enlouquecendo? Saí do banho,pensando em um café bem forte e quente.A água esquenta,eu pensando o quanto detesto café solúvel mas preciso acordar.
-Ei, ei!
Olhei para baixo, uma lagartixa verde, vestida com colete e suspensórios estende uma caneca azul em minha direção.
-Você poderia colocar um pouco de água quente,por favor?é que já estou atrasado para o trabalho...
2 comentários:
Meu Deus! Tenho de descobrir o que colocam nesses removedores de esparadrapos ... Alucinações? Hum ... Até acho que parte desse post é verdade, como o fato de ter saído de casa 2h da matina para tomar uma injeção.
Ainda bem que achou uma farmácia aberta. Agora, quanto aos camundongos e à lagartixa ...
Já ouviu falar em Verbena no país das maravilhas?
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